quarta-feira, 2 de abril de 2014

A língua de Eulália

Marcos Bagno nasceu em Cataguases (MG) e, depois de ter vivido em Salvador, no Rio de Janeiro, em Brasília e no Recife, instalou-se com a família na capital de São Paulo. Tradutor, contista,

poeta e autor de livros para crianças, formou-se em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco, onde também obteve seu título do mestre em Linguística. É doutor em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo.

Publicada em 1997 pela editora Contexto, o livro A língua de Eulália é uma novela sociolinguística de Marcos Bagno, que procura mostrar ao longo das suas 209 páginas distribuídas em 21 capítulos que o uso de uma linguagem "diferente", nem sempre pode ser considerado um erro de português.

O livro torna-se uma leitura agradável, pelo desenrolar dos diálogos entre os personagens, procurando nos mostrar que o modo estranho das pessoas falarem pode ser explicado por algumas ciências como a sociolinguística.

A obra conta a história de três estudantes universitárias Vera, Sílvia e Emília que vão passar as férias no sítio de Irene em Atibaia-SP, que é tia de Vera e formada em linguística. Ao chegarem no sítio as meninas criticam o português falado por Eulália, que é empregada e amiga de Irene a muitos anos, a partir dai Irene resolve explicar para as acadêmicas questões linguísticas desenvolvendo conhecimentos diferentes dos aprendidos em sala de aula, mostrando através de aulas que o preconceito linguístico, nada mais é do que as maneiras diferentes das pessoas falarem, onde sua utilização não prejudica o entendimento, pois o uso do português não-padrão é apenas a forma como as pessoas falam.

O livro busca comparar o português padrão(PP) com o português não-padrão(PNP), procurando mostrar que há mais semelhanças do que diferenças entre eles, onde discutem que os falantes da norma não-padrão, tem certas dificuldades em aprender a norma-padrão, pois o PNP é falado naturalmente enquanto que o PP requer um pouco mais de estudo e aprendizagem para o bom desenvolvimento.

A professora Irene que é doutora em linguística chama a atenção para que as meninas reflitam se a língua que se fala no Brasil é realmente o português, uma vez que nós brasileiros não compreendemos o português dos séculos passados. Ela também explica que na verdade o que existe são variações do português, onde em diferentes regiões do país, são características muito próprias como o sotaque das pessoas, que muitas vezes acaba se tornando um erro de português por expressarem suas falas de uma maneira diferente da dita correta.

— Existe um pequeno número de variedades do português —faladas numa determinada região, por determinado conjunto de pessoas, numa determinada época - que, por diversas razões, foram

eleitas para servirem de base para a constituição, para a elaboração de uma norma-padrão. A norma-padrão é aquele modelo ideal de língua que deve ser usado pelas autoridades, pelos órgãos oficiais,

pelas pessoas cultas, pelos escritores e jornalistas, aquele que deve ser ensinado e aprendido na escola. Vejam bem que eu disse aquele que deve ser, não aquele que necessariamente é empregado pelas pessoas cultas. Essa norma, ao longo do tempo, se torna objeto de um grande investimento...(pág.22).

Entre outros assuntos abordados, o livro A língua de Eulália, procura nos mostrar que na comparação entre PP e o PNP o preconceito mais apontado não são exatamente as diferenças linguísticas que predominam, mas sim os preconceitos que existem inclusive quando se trata de classe social, apontando a maneira "errada" das pessoas falarem principalmente dos pobres, lembrando que pobre são aqueles que as pronunciam, e errada é a situação de injustiça social em que vivem.

_ A fala da Eulália não é errada: é diferente. É o português de uma classe social "diferente" da nossa, só isso- explica Irene (pág.15).

_ É errado dentro das regras da gramática que se aplicam ao português que você fala- diz Irene.

_ Mas na variedade não-padrão falada pela Eulália essas regras não funcionam (pág. 15).

O livro também faz com que o leitor tenha uma visão mais ampla em relação a complexidade da nossa língua portuguesa, persuadindo em deixar de lado o preconceito existente em nossa sociedade.

Quem fala o PNP?

_ O português não-padrão é a língua da grande maioria pobre e dos analfabetos do nosso povo, Verinha. É também, consequentemente, a língua das crianças pobres e carentes que frequentam as escolas públicas. Por ser utilizado por pessoas de classes sociais desprestigiadas, marginalizadas, oprimidas pela terrível injustiça social que impera o Brasil- país que tem a pior distribuição da riqueza nacional em todo o mundo-, o PNP é vitima dos mesmos preconceitos que pesam sobre essas pessoas. Ele é considerado "feio", "deficiente", "pobre", "errado", "rude", "tosco", "estropiado" (pág. 28).

Beijos, abraços e despedidas. O afeto é tão grande que parece que as três estão de partida para algum lugar muito distante e remoto, e não para São Paulo que fica a pouco mais de uma hora dali (pág. 207).

Mostrando a sociolinguística de uma maneira especial, o autor preocupou-se em mostrar através desta obra, que por mais estranhas que possam parecer algumas pronúncias, por mais incompatíveis que sejam com o português padrão que aprendemos na escola, cada uma dessas palavras tem uma origem explicável dentro da história da língua portuguesa.

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