O
livro “Língua de Eulália” de Marcos Bagno, contém 209 páginas, 21 capítulos,
editora contexto. Contextualiza a linguagem formal com a linguagem popular.
A
obra de Bagno conta a história de três estudantes universitárias dos cursos de Psicologia,Letras
e Pedagogia.
Língua
de Eulália
As três são
professoras do curso primário no mesmo colégio de São Paulo. (Pág 9) as
estudantes resolveram passar as férias em Atibaia S. Paulo, na casa da
professora Irene. Professora de língua portuguesa e lingüística, até se
aposentar. Isso tem uns cinco anos. Mas ela mora aqui em Atibaia já faz mais de
vinte. Ia para Campinas todo dia trabalhar de manhã e voltava à noite Ela se
aposentou da universidade, mas continua trabalhando. Aliás, acho que hoje em
dia ela trabalha mais do que quando era professora. Ela continua estudando, pesquisando,
escrevendo. Toda vez que venho aqui ela comenta sobre algum artigo que uma
revista encomendou, algum livro que está preparando, coisas assim.Lá na
faculdade, quando comento com os professores que sou sobrinha de Irene Amaggio,
todos se desdobram em elogios. Ela é muito respeitada comenta Vera com as
colegas.
Quando a Eulália foi
trabalhar com tia Irene, ela não sabia ler nem escrever Minha tia não quis
saber daquilo: disse que nunca ia admitir na casa dela uma pessoa analfabeta.
Começou a dar aulas á noite para a Eulália. A Eulália foi trazendo algumas
conhecidas, estas foram trazendo mais gente, e quando minha tia viu estava
dando aula para umas vinte pessoas, todas adultas, maioria mulheres que
trabalhavam nas casas do bairro, onde ela mora. Imaginem que ela trabalhava na
universidade o dia todo e quando chegava ainda tinha que dar aula á noite.
Depois que se aposentou, ficou mais fácil. Mas agora estão todos de férias,
porque ninguém é de ferro. (pág.10/11). A Eulália é um poço sem fundo de
conhecimento e sabedoria. Todo dia aprendo uma coisa nova com ela. Até pode ser
comenta Emília enquanto as quatro se sentam num grande banco de madeira sob um
caramanchão. __Mas ela fala tudo errado. Isso para mim estraga qualquer
sabedoria. Ela disse” os probrema”, “fósfro”,”môio ingrês”... A fala de Eulália
não é errada: é diferente. É o português de uma classe social diferente da
nossa, só isso _explica Irene, é errado dentro
das regras da gramática que se aplicam ao português que você fala, diz
Irene. Mas na variedade não-padrão falada pela Eulália essas regras não funcionam.
(pág. 13/14/15). Isso quer dizer que aquilo
que a gente chama, por comodidade, de português não é um bloco compacto, sólido e firme, mas sim um
conjunto de “coisas” aparentadas entre si, mas com algumas diferenças. Essas “coisas”
são chamadas variedades.(pág.19)’
A língua também
fica diferente quando é falada por um homem ou por uma mulher, por uma criança
ou por um adulto, por uma pessoa alfabetizada ou por uma não alfabetizada, por
uma pessoa de classe alta ou uma pessoa
de classe média ou baixa, por um morador da cidade e por um morador do
campo e assim por diante. Temos então, ao lado das variedades geográficas, outros
tipos de variedades: de gênero, socioeconômicas, etárias, de nível de
instrução, urbanas, rurais etc. Cada pessoa tem a sua língua própria e exclusiva,
mas não pode deixar que ela a separe da comunidade em que está inserida. (pág.
20/21). A norma padrão é aquele modelo ideal de língua que deve ser usado pelas
autoridades, pelos órgãos oficiais, pelas pessoas cultas, pelos escritores e
jornalistas, aquele que deve ser ensinado nas escolas. Os autores de livros didáticos preparam seus
manuais escolares pensando em estratégias pedagógicas eficazes para que as
crianças aprendam a norma padrão. (pág. 22/23)
No momento
em que se estabelece uma norma-padrão, ela ganha tanta importância e tanto
prestígio social que todas as demais variedades são consideradas”
impróprias”,”feias”,”erradas”,”deficientes”,”pobres”, e esta norma-padrão passa
ser designada com o nome da língua, como se ela fosse a única representante
legítima e legal dos falantes desta língua.
O português é a
língua da grande maioria pobre e dos analfabetos do nosso povo. É também,
consequentemente, a língua das crianças pobres e carentes que freqüentam as escolas públicas. Por
ser utilizados por pessoas de classes
sociais desprestigiadas, marginalizadas,
oprimidas pela terrível injustiça social que impera no Brasil, país que tem a
pior distribuição da riqueza nacional em
todo o mundo,o PNP é vítima dos mesmos preconceitos que pesam sobre essas
pessoas. Ele é considerado
“feio”,”deficiente”,”pobre”,”errado”,”rude”,”tosco”,”estropiado”. Esses
preconceitos fazem com que criança que chega á escola falando o PNP seja
considerada uma “deficiente “lingüística,ela simplesmente fala uma língua
diferente daquela que é ensinada na escola. E não estamos falando apenas das
“aulas de português”, mas de todas as disciplinas lecionadas na escola. Sim
porque todo professor é professor de língua, já que ele se serve da língua como
meio de transmissão dos conteúdos que lhes cabe ensinar, as variedades não-padrão
tem de ser feita em todos os campos da educação, sendo uma tarefa de todos e
não apenas dos professores de língua
portuguesa. (pág28/29). No entanto, é preciso deixar uma coisa bem
clara: existem muito mais semelhanças do que diferenças entre as variedades do
português do Brasil.(pág37). Aquilo que parece “errado” ou “estranho” no português
não- padrão é na verdade resultado de tendências muito antigas na língua, que
são refreadas, reprimidas pela educação formal, pelas regras da linguagem
literária, oficial, escrita, mas que encontram livre curso na boca do povo. (pág113).
No Brasil, como já repeti várias vezes, a força
da escola é muito pequena, temos 60 milhões de analfabetos plenos e funcionais,
isto é gente que aprendeu a ler e a escrever, mas não ficou na escola tempo
suficiente para desenvolver essas habilidades. Nosso sistema de ensino público
é classificado entre os piores do mundo. Se é verdade que o padrão lingüístico
será sempre um ideal, inatingível na prática em sua totalidade, também é
verdade que a escola deveria se esforçar para que esse padrão absorvesse uma
série de usos lingüísticos novos perfeitamente assimilados pelos falantes
cultos, já consagrados até na literatura dos melhores escritores, é preciso que
dentro das escolas haja espaço para o máximo possível de variedades
lingüísticas: urbanas, rurais, cultas, não-cultas, faladas, escritas, modernas.(pág172/173).
E, ao mesmo tempo proponho a valorização dos usos lingüísticos não-padrão, sobretudo
porque a língua que uma pessoa fala, a língua que ela aprendeu com sua família
e com sua comunidade, a língua que ela usa para falar consigo mesma, para
pensar, para expressar seus sentimentos, suas crenças e emoções, faz parte da
identidade dessa pessoa, é como se a língua fosse a pessoa mesma.(pág188). É claro
que poderíamos continuar esta lista,mas acho que estes poucos princípios já
servem de base para construirmos uma nova proposta de abordagem e de tratamento
dos problemas causados na escola e na vida pelas diferenças entre a norma-padrão
e a variedades não-padrão.
A humanidade já
passou por experiências terríveis o bastante, principalmente no ultimo século para
começar a aprender que a
intolerância a inflexibilidade , o
fanatismo, o desrespeito pelo diferente não levam a lugar nenhum, a não ser à
violência e à destruição. É claro que não podemos modificar o mundo,
transformar a mente de todas as pessoas,
mas podemos começar a dar nossa pequena contribuição, tornando mais claro e respirável
o ambiente em que nos movemos diariamente. Afinal, basta uma pequena semente para
fazer brotar e crescer uma árvore
enorme, que dará muita sombra, flores perfumadas e frutos saborosos. Quem sabe
cada um de nós não é a generosa jardineira que vai plantar e regar com
paciência e amor esta pequena semente? Irene percebe que Eulália se afastou um
pouco para comprar pipoca para os netos. Aproveita a chance para dizer:
Quero fazer uma
surpresa para Eulália, diz Irene, estou
pensando em dar ao livro o título de “A Língua de Eulália”, afinal, foi
observando a variedade lingüística dela que me veio a idéia de estudar assunto.
E o título tem um detalhezinho linguístico interessante, ainda por cima –
revela Irene.__O nome Eulália, em grego, quer dizer “a que fala bonito, a que
fala bem, a que fala certo”. Não é uma delicia? Eulália e os netos se aproximam
para as despedidas. Emília e Sílvia insistem para que todos vão visitá-las em
São Paulo.
As três entram no
ônibus, que não demora a partir. Na plataforma da rodoviária. Irene fica
acenando com o envelope da editora na mão e um sorriso a iluminar seu rosto. (pág.
206/208).
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