quinta-feira, 3 de abril de 2014

A língua de Eulália


Obra de Magno Marcos, a novela sócio lingüística, a língua de Eulália, Editora Contexto, n° de páginas 209 e dividido em 2 capítulos. A história se passa com três amigas, Silvia, Emilia e Vera, ambas são estudantes que decidem passar as férias em Atibaia (São Paulo), na casa da tia de Vera, que é chamada de Irene, que é uma professora universitária aposentada.
Ao chegarem, as meninas criticam o português falado por Eulália, empregada da casa, de modo que Irene resolve explicar questões lingüísticas, para as meninas e mostrar através de aulas que o preconceito lingüístico não possui fundamento, pois a história da língua portuguesa passou por várias fases e cada uma delas justifica o uso das variações lingüísticas. Existem maneiras diferentes de falar, a mesma língua, e não podemos achar que são consideradas erradas, pois a sua utilização não prejudica o entendimento e tudo não parece erro no português.
O livro busca sempre comparar o português padrão com o não-padrão, para mostrar que há mais semelhanças do que diferenças entre eles neste contexto discutem-se que os falantes da norma não-padrão têm dificuldades em aprender a norma padrão, pois o primeiro é relatado de forma natural, já o segundo requer aprendizado e como na maioria das vezes essas pessoas são de classe baixa, ou seja, não estudaram e abandonaram a escola muito cedo para poder trabalhar.
A eficácia do português não-padrão não pode ser negada, pois consegue diminuir as regras gramaticais tornando-as mais claras, também ocorre freqüentemente com o uso de concordância, plural e conjunção verbal. Esta postura não deve ser abominada, pois é comum em outras línguas, mesmo na norma padrão delas, por exemplo, o inglês. O título da pág. 56, que fala da transformação do LH em L, é o yeísmo, onde responde um pouco sobre isso a tia Irene. As semelhanças podem ser vistas em traços lingüísticos, como os verificados em um falante escolarizado da região sul, que pode se comunicar perfeitamente com um analfabeto do norte do país.
Esse mesmo analfabeto terá grandes dificuldades em entender uma linguagem mais padronizada, mas isso não significa que não tenha capacidade para aprender regras gramaticais, o que depende, em parte, da maneira de ensinar na escola que ele vier a freqüenta. Entre outras coisas, o livro A língua de Eulália, mostra a comparação entre o português- padrão e o português não-padrão, bem como o preconceito apontado não são exatamente as diferenças lingüísticas que prevalecem, mas sim, as diferenças sociais, mostrando que esses preconceitos são comuns, como por exemplo, o étnico: o índio ‘preguiçoso”, o negro “malandro, “mesquinho”, o português “brince”; o sexual: o desprezo pelas práticas medicinais “caseiras”, além dos socioeconômicos: como a valorização do rico e o desprezo pelo pobre; entre outros.
Desvendando a sociolingüística de maneira especial, o autor se preocupa em transmitir através desta obra, que por mais estranhas que possam parecer certas pronúncias, por mais incompatíveis que sejam com o português padrão que aprendemos na escola, cada um dessas palavras têm origem perfeitamente explicável dentro da história da língua portuguesa.
É questionado ainda na obra do autor, p.173, “então bastaria dar escola a todos os brasileiros para que todo mundo falasse e escrevesse direitinho”? A resposta da tia Irene é clara e precisa quando comenta que não é tão simples, porque mesmo os falantes cultos, aquelas pessoas que têm acesso às regras padronizadas, incutidas no processo de escolarização, se mostram muito inseguras no momento de usar essas regras conservadoras. Por isso não basta ensinar a gramática normativa na escola, é preciso definir de maneira mais democrática qual deve ser a norma a ser apresentada na escola.
Ainda é importante salientar sobre a questão da interpretação e análise, onde costuma-se observar diversas e diferentes formas de visualizar  e entender determinado texto. O cruzamento sintático é comentado na p.182, onde existe a explicação do mesmo, e a descoberta de uma expressão chamada braquilogia, que significa tentativa de resumir duas idéias numa só expressão. É levado em conta que o pronome mim é um pronome tônico, quer dizer, uma palavra que soa mais nitidamente quando pronunciada, que se destaca foneticamente dentro do enunciado. Ao usar mim, que é tônico, e não eu, átono, o falante está dando uma ênfase afetiva a seu enunciado.
Na página 187, as protagonistas do livro refletem a questão do deslocamento de para mim e o significado desse sintagma para depois avaliar se ele pode ou não vir antes do infinitivo, pois o falante não vai ficar o tempo todo, antes de produzir seus enunciados, verificando as possibilidades de deslocamento, essa análise deve ser feita pelos investigadores que se interessam em descobrir as regras de funcionamento da língua. Portanto, se o falante construir sua frase e deu certo, cumpriu sua missão num determinado enunciado, não existe razão para que não funcione novamente em outros enunciados semelhantes.
Conclui-se ao final das aulas no fundo da casa da tia Irene, que: falar diferente não é falar errado, pois tudo o que parece erro no PNP tem uma explicação lógica, científica (lingüística, histórica, sociológica, psicológica). Existem muitos aspectos considerados errados, o que na verdade, não passam de arcaísmos, vestígios da língua portuguesa falada muitos séculos atrás.
O livro A língua de Eulália, fez com que se entendessem melhor as variações lingüísticas e transmitir uma bela explicação da linda disciplina de Língua Portuguesa, onde aprendeu-se a história da norma-padrão, seu funcionamento e até um pouco de grego e latim, misturado com italiano e francês, proporcionando e adquirindo um conhecimento envolvendo a aprendizagem e a leitura.




BAGNO, Marcos. A língua de Eulália. Novela Sociolingüística. São Paulo. Contexto: 1997.




Lilian de Vargas Fruet

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